28 agosto, 2012

Caracolinhos de carvão


O cabelo dela sempre foi lindo, forte, comprido, brilhante. Saudável. As fotos espalhadas pela casa mostram-na – desde terna idade - a sorrir, feliz consigo mesmo e com fios de cabelo enormes que todas invejavam. Como se milhares de fios queratinizados a caracterizassem.
Cabelo não caracteriza ninguém. Ela não se sentia linda, forte, brilhante. Muito menos saudável. Ela bem o desejava mas o universo não funciona assim.
O cancro que a matava por dentro eliminava rapidamente todos esses traços ditos “normais”. As memórias felizes estavam no passado, restava esperar que o pior passasse ou que a morte viesse. Por isso, ela agarrava na tesoura que tinha na mão com tanta força que já nem sentia os dedos. Agarrava em tufos de cabelo que cortava a olhar friamente para o espelho partido. Os seus olhos vermelhos já não choravam porque, mesmo que ela quisesse, já se encontrava bastante desidratada. Só restava o vazio e cabelo espalhado pelo chão.
Continuava desapontada porque a sua nova imagem também não a caracteriza. Não a faz sentir melhor, apenas se sente mais perdida que nunca. Ela pensava que sabia quem era apenas para descobrir que não sabe nada.

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